No Estado Liberal clássico, emanado das cinzas fumegantes da Revolução Francesa, eram quase absolutos os princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória dos contratos, considerados os pilares de sustentação da teoria geral dos negócios jurídicos.

A partir do final do século XIX, entretanto, foram sendo eles mitigados, não só em razão dos abusos cometidos, como pelo advento das chamadas teorias revisionistas e da função social do direito, aplicadas ao mundo oceânico dos contratos.

A Constituição de 1988 provocou um redirecionamento do eixo filosófico da ordem jurídica brasileira, para se adotar um direito principiológico, oxigenado por valores fundamentais, e, entre eles, o da boa-fé objetiva, da solidariedade social e da preservação da dignidade humana.

Surgiram, então, os deveres anexos ao da boa fé, passando-se a exigir o equilíbrio da equação econômica dos contratos, a se manter em todo o curso de suas vidas, além dos princípios da confiança, informação e cooperação.

O impacto maior destes novos tempos operou-se nos contratos imobiliários, em razão de sua elevada densidade social e econômica, a repercutir diretamente na vida de enorme parcela da população brasileira, que persegue o seu mais acalentado sonho que é a aquisição da casa própria.

Tanto a doutrina, quanto a jurisprudência dominantes têm se inclinado no sentido de reforçar a proteção do adquirente de unidades imobiliárias, o que se percebe facilmente no caso dos chamados “distratos”, que tanto prejuízo vêm causando ao mercado e às incorporadoras.

A condenação a devolver, de uma só vez, a quase totalidade das quantias já pagas, em pleno curso do empreendimento, em razão da desistência do adquirente ou de sua impossibilidade de cumprir as obrigações assumidas, coloca em risco não apenas as incorporadoras, mas, principalmente, os demais adquirentes, diante da possibilidade de se interromper a construção, pelo estancamento do fluxo das receitas previstas.

Daí a necessidade de se procurar um ponto de equilíbrio, distinguindo-se aquele que adquire a unidade para ali estabelecer sua residência e de sua família, do investidor, que compra muitas vezes várias unidades, e que, no curso da construção, não satisfeito com os rumos do mercado, quer receber tudo o que pagou, acrescido de correção monetária e juros, o que se transforma em injusto enriquecimento indevido, às custas dos demais.

Não devem os juízes decidir o conflito sem atentar para o equilíbrio econômico do empreendimento, o que também significa preservar os princípios da função social e da boa-fé.

Impõe-se fazer a ponderação dos interesses contrapostos, sob pena de se ameaçar a sobrevivência de um mercado tão relevante para toda a sociedade, e não apenas para os contratantes, já que gera empregos e tributos, atendendo à função social do direito.

Sylvio Capanema

Desembargador aposentado e advogado