Moira Regina Toledo, diretora da Vice Presidência de Gestão de Imóveis do Secovi-SP

Por Moira Regina Toledo, diretora da Vice Presidência de Gestão de Imóveis do Secovi-SP

Foi com imenso pesar que foi recebida a notícia veiculada pela imprensa do próprio Supremo Tribunal Federal quanto ao afastamento da possibilidade de penhora do bem de família do fiador em razão de dívida decorrente de contrato de locação comercial.

Embora não se tenha o inteiro teor do acórdão, visto que ainda não publicado, o informe propalado afirma que por maioria de votos e com fundamento à proteção ao direito fundamental à moradia garantido constitucionalmente, a primeira turma do STF decidiu pela inconstitucionalidade da penhora do único imóvel do fiador quando a dívida é decorrente de locação comercial.

Parecem ter feito uma distinção da locação que viabiliza a residência do locatário, daquela que é firmada para fins comerciais e, portanto, realizada para o que consideram o exercício da livre iniciativa, cogitando haver uma prevalência neste último caso do direito à moradia do fiador. Em outras palavras: à facilitação ao exercício do direito a moradia do locatário quando a fiança é concedida em locações residenciais justifica e torna constitucional a penhorabilidade, pois estaria em consonância com o artigo 6º da Constituição Federal que estabelece este direito social, já nas comercias não haveria tal justificativa.

Ocorre que a lei do inquilinato, mais precisamente o artigo 82 que introduziu à exceção da penhora do imóvel do fiador em razão de dívida oriunda de contrato de locação não faz esta distinção, assim como não faziam os precedentes julgados pelos próprio STF, inclusive com repercussão geral. (RE 407688, RE 612360 – leading case).

Mais do que isto não só a livre inciativa, que está logo no artigo primeiro da Constituição de 1988, dada sua importância, com o fundamento do Estado democrático de direito, ainda outros direitos fundamentais como a autonomia privada e a própria moradia que devem ser tomados em consideração e justificam a referida exceção da penhorabilidade do imóvel do fiador independentemente da natureza do contrato de locação.

Isto pois, diante de políticas públicas insuficientes de auxílio à moradia, a livre iniciativa, ainda mais no início de retomada pós crise, é maneira de se viabilizar condições financeira para se contratar locações residenciais ou se investir no setor. Dela ainda é comum depender o exercício de vários outros direitos do cidadão, como alimentação, estudos, tratamento médico, etc., diante de um Estado que não provê sequer o mínimo necessário apesar da excessiva carga tributária.

Tal decisão, caso venha ser mantida, pois ainda passível de recurso, terá das mais diversas consequências. As primeiras, de certo, às práticas do mercado de locações, no que tange, por exemplo, ao recrudescimento das exigências em garantias não só em contratos novos ou a renovar, mas também naqueles em curso e que tenham sido celebrados com fiança pessoal fundamentada em lastro patrimonial composto por um só imóvel.

Os principais impactados serão os pequenos comerciantes, pois se valem da fiança, única garantia disponível sem custo, para investir o seu capital no próprio negócio. Mas nada impede que as locação residenciais sejam atingidas.

A mais grave sequela, no entanto é a insegurança jurídica que proporcionará, e especial em relação à matéria locatícia. A questão da penhorabilidade do bem imóvel do fiador era considerada como pacificada pelos Tribunais. Existem julgados, jurisprudência firme, enunciados e até o pronunciamento do STF em recurso em regime de repercussão geral sobre o tema. Essa mudança em curto lapso temporal dá indícios que outras interpretações acerca da mesma lei poderão ser revisitadas.

Se ano a ano tem se visto a redução de ações em matérias locatícias1, parte deste avanço está na pacificação de várias questões que lhe são mais comuns. Entre elas, a da penhorabilidade do imóvel do fiador. Neste caso, à exemplo, como todos conheciam a consequência, muitos acordos para pagamentos das dívidas daí decorrentes são formalizados extrajudicialmente. Aliás é praxe neste mercado a auto composição e que deve ser incentivada. Todavia, esta decisão segue em caminho diametralmente oposto, incentiva a discussão.

A locação é relevante não apenas para suprir o déficit habitacional, mas, também para o empreendedorismo e depende essencialmente do investimento privado. O investidor, por sua vez, tem que conhecer minimamente os seus riscos, ao menos conhecer “as regras do jogo” para que se sinta interessado no negócio e uma decisão como esta fatalmente é desestimulante neste sentido.

E pior é que tudo se dá num momento em que se pretende a retomada da crise e que a renda do investimento em locação já sofre com o mercado ofertado, com preços mais baixos e incidência de altos impostos. Em última análise uma retração na oferta é ruim para todo mundo, pois impacta na produção imobiliária e nos preços dos aluguéis como já se viu outrora.

De qualquer maneira, após a divulgação do acórdão poderá se fazer a análise técnica e profunda da decisão.

Moira Regina de Toledo é advogada, formada pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, mestre em direito civil pela Universidade de São Paulo – USP, diretora jurídica da AABIC – Associação das Administradoras de Bens e Imóveis de São Paulo, diretora da Vice Presidência de Gestão de Imóveis do Secovi-SP, integrante jurídico da RAL – Rede Avançada de Locações.