A Reforma Trabalhista alterou mais de cem artigos da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). A partir de agora, condições estabelecidas em convenção ou acordo coletivo prevalecem à lei. Mas o período transitório do ‘negociado sobre o legislado’ ainda gera dúvidas. Qual a diferença entre estes acertos?

“A nova lei trabalhista afeta todos os envolvidos no processo produtivo. É importante mostrar ao empresário o que é permitido ou não com as mudanças na legislação, que representam um grande avanço nas relações com os colaboradores, criando um ambiente trabalhista mais transparente e amigável”, acredita o vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de Alagoas (Fiea), José da Silva Nogueira Filho.

Para a gerente executiva de Relações de Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Sylvia Lorena Teixeira de Sousa, a nova lei não retira direitos dos trabalhadores e a predominância do acordo à lei “é a espinha dorsal da reforma trabalhista, pois fortalece o diálogo entre a empresa e o colaborador”.

Segundo a CLT, a Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho.

“A Convenção Coletiva de Trabalho é para o trabalhador e para o empregador um acordo de caráter normativo realizado para ajustar os seus interesses objetivando superar divergências entre patrões e empregados. Trata-se de um negócio jurídico cuja importância é normatizar as expressões de vontade das partes na negociação, ou seja, normatiza as relações entre capital e trabalho”, explica Geraldo Pimentel, advogado e assessor jurídico da Fecomércio de Alagoas.

Já os acordos coletivos conduzem as relações trabalhistas de um setor. Ou seja, são pactos celebrados entre sindicatos representativos de categorias profissionais com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das acordantes respectivas relações de trabalho.

“Vale destacar que os empresários devem tomar certas precauções ao decidir pela celebração do acordo coletivo e contar com uma assessoria jurídica experiente em direito coletivo do trabalho. Nesse sentido, ainda é recomendável que os empresários procurem a assistência do sindicato patronal, que estará apto a orientá-los e assim evitar eventuais demandas trabalhistas”, aconselha Geraldo Pimentel.

Hierarquia

O dispositivo legal também impõe que as condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho.

Se antes existia uma hierarquia normativa flexível entre acordo e convenção coletiva, de forma que, havendo conflito normativo, em regra, prevalecia a norma com maior grau de proteção social. A atual redação da CLT prevê expressamente a prevalência do conteúdo do acordo coletivo sobre o conteúdo da convenção coletiva sempre que houver conflito entre estas normas, independentemente de qualquer outra condição.

“Nesse aspecto, a alteração legislativa foi orientada pelo critério da especificidade, que significa que o acordo coletivo de trabalho, em razão de ser mais específico, traduziria com mais fidelidade e adequação a realidade da relação entre o trabalhador e a empresa”, explica o juiz do Trabalho e presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho Sérgio Queiroz.

A nova legislação dispõe também que a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre jornada de trabalho, banco de horas, intervalo intrajornada, plano de cargos e carreiras, salários, teletrabalho, etc.

“É curioso como esses doutores e ‘especialistas’ em relações de trabalho adoram bradar sobre a dignidade humana e do trabalhador, mas não há nada mais aviltante para a dignidade de um ser humano, penso eu, do que tratá-lo como um mentecapto, um incapaz imbecilizado que não tem condições de discernir o que é melhor para si”, escreveu em artigo o advogado Nadir Mazloum.

A partir do vigor da atualização da lei, empresas e sindicatos devem seguir um procedimento formal para validade do acordo – é preciso convocar uma assembleia; decidir e pactuar o acordo; dar ciência do conteúdo aos empregados e protocolar o documento no Ministério do Trabalho.

“Toda a mudança, a princípio, gera impacto, desconforto. No entanto, há que se ter em mente que a partir do momento em que o legislador passou a dar autonomia às partes no sentido de que o negociado prevalece sobre o legislado, tal situação traz certo conforto àqueles integrantes da relação de emprego, notadamente porque ambos (empregador e empregado), sem as amarras da Consolidação das Leis do Trabalho, poderão flexibilizar determinadas obrigações e deveres, sempre amoldando a situação vivenciada aos interesses comuns”, argumenta o advogado especialista em Direito Trabalhista Felipe de Pádua.

Vale salientar que, pela lei, em quinze itens específicos os acordos se sobrepõem à CLT. Existe, porém, uma lista de 30 pontos em que a lei é soberana e respeita os limites constitucionais.

Contribuição sindical

Outra norma modificada que tem relação direta com a convenção coletiva é a contribuição sindical. Afinal, o pacto assinado entre sindicatos sempre inclui a cláusula de cobrança do tributo.

Regulamentada na Constituição Federal, a contribuição sindical é uma cota de natureza tributária feita a empregadores e empregados para custear, juntamente com outras receitas, as despesas do ente sindical.

A novidade no novo texto legal é a cobrança voluntária da contribuição sindical. De acordo com os artigos 578 e 579 da CLT, o desconto da contribuição sindical está condicionado à autorização prévia.

“Tal situação trouxe uma modificação profunda na receita dos sindicatos, independentemente de ser ele laboral ou patronal, ao ponto de alguns deles, ante a estrutura posta à disposição de seus associados, terem que reduzir, drasticamente, os custos operacionais, ficando claro que a partir do momento em que a contribuição sindical deixou de ser compulsória, trouxe prejuízos e abalos financeiros”, analisa Felipe de Pádua.

Mas o secretário de Relações do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Carlos Cavalcante Lacerda, assinou Nota Técnica favorável à cobrança do imposto sindical. O documento dispõe que, após a aprovação em assembleia, o pagamento do tributo seja feito por todos os trabalhadores de uma determinada categoria.

“Sem a contribuição, pequenos sindicatos não vão sobreviver. A nota pode ser usada para as entidades embasarem o entendimento de que a assembleia é soberana”, argumentou o secretário.

“Sem a contribuição, pequenos sindicatos não vão sobreviver”

Carlos Cavalcante Lacerda, secretário de Relações do Trabalho do MTE

Em decisão contrária ao entendimento de Carlos Lacerda, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro João Batista Pereira, em decisão provisória, respeitando o novo regramento, proibiu o pagamento obrigatório do tributo sindical de trabalhadores portuários de Santos.

Diante das queixas dos funcionários, as empresas envolvidas recorreram ao TST e, em nota, alegaram que ‘após a Reforma Trabalhista, o recolhimento passou a ser uma opção’.

Segundo o juiz Sérgio Queiroz, já tramitam no Superior Tribunal Federal 15 Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), ajuizadas por diversas federações e confederações questionando a constitucionalidade dessa alteração legislativa.

“Pessoalmente, sempre fui contrário à obrigatoriedade dessa contribuição, por entender que tal medida em nada contribui para o desenvolvimento de uma cultura sindical que privilegie uma atuação efetiva e eficiente na defesa dos reais interesses da categoria. Penso que qualquer alteração nessa matéria deveria ser resultado de amplo debate social, num contexto mais abrangente de revisão do próprio modelo de organização sindical, envolvendo discussão sobre a unicidade sindical e o aprimoramento das regras sobre liberdade sindical, entre outros aspectos. Por isso, penso que andou mal o legislador ao suprimir, neste momento, a contribuição sindical obrigatória”, avalia o juiz do Trabalho.