O planejamento era um só: não planejar. Com uma mochila nas costas e uma máquina fotográfica nas mãos, o publicitário Léo Villanova viajou sozinho para os Oriente Médio dias antes da Primavera Árabe – manifestações populares proliferadas em diversos países da região para derrubar governos ditatoriais.

“Quando viajo sozinho, escolho lugares fora da rota turística. Gosto de conhecer novos povos, novas culturas. Ir a lugares e tirar minhas próprias conclusões. Comprei uma passagem de ida e não tinha roteiro fechado nem planejamento de deslocamento. O que existia eram pontos de interesse e eu não sabia quanto tempo poderia passar em cada um destes lugares”, explicou Léo Villanova.

Com uma data de ida e apenas uma previsão de volta, o publicitário tinha Israel como primeiro destino e, antes de chegar ao local desejado, foi retido para averiguação de segurança. “Ser um turista solitário em Israel é complicado. Existe uma segurança exacerbada. Fiquei preso para prévia fiscalização. Me apresentei no que supunha ser o guichê da companhia área, mas na verdade aquilo já era um prática de segurança. Fui entrevistado, o que mais parecia um interrogatório policial. Depois, fui encaminhado para uma sala, onde fiquei algumas horas sozinho. Quando olhei para o relógio, já tinha passado a hora do embarque. Imediatamente pensei ‘agora é só esperar a hora de voltar para casa’. Mas apareceu uma moça com meu ticket de viagem e vários adesivos colados. Fui o último a entrar no avião e fui colocado entre um casal que provavelmente deveria ser do governo”, contou o publicitário do que acredita ser um procedimento padrão de segurança para o tipo de viajante que era. “Depois fiquei sabendo que aconteceu a mesma coisa com outros turistas que encontrei lá. Inclusive com um amigo alemão que encontrei durante a viagem”, acrescentou.

Nacionalidade brasileira

A nacionalidade brasileira foi uma aliada para Léo Villanova. “Brasileiro tem uma espécie de ‘passe livre’. E foi minha salvação em várias situações. Brasileiro é bem-vindo nos dois lados de Jerusalém, por exemplo! Muita gente tem curiosidade de saber do Brasil. Sempre andava com meu passaporte no corpo. Em algumas situações, quando estava com meu amigo alemão, eu andava na frente e mostrava meu passaporte, dizendo que éramos brasileiros e facilitava as coisas”, disse.

Em uma viagem sem planejamento prévio, Villanova não sabia quantos dias passaria em cada lugar, nem mesmo qual seria o próximo destino. Para se locomover, entre as diversas opções, escolheu estar mais próximo dos moradores do lugar.

“Como brasileiro, eu poderia pegar o transporte oficial, viajar por uma boa estrada, mas preferi pegar o transporte comum. Àquele utilizado pelos trabalhadores. Queria me locomover como os locais. Meu transporte era uma das vans comuns. A dificuldade em pegar este tipo de transporte era a língua. Eles falam árabe e eu tive que decorar algumas palavras”, comentou.

Já em Hebron, cidade também dividida em H1 (controle palestino) e H2 (controle israelense), os moradores vivem o apartaid, uma divisão sem muros e é possível ver nas paredes e placas as marcas de tiros. A cidade é violenta. Os próprios soldados do exército local aconselham os turistas a não visitar e moradores locais costumam abordar visitantes para servir de guia.

“São guias da desgraça. Querem mostrar as desgraças deles in loco, casas destruídas, marcas de tiros. Em determinado momento, meu guia me levou para ver a vista proibida (assentamento judeu). Lá em cima, numa espécie de laje, percebi que existia uma torre de observação do exército de Israel. Ali fui informado de que soldados faziam plantão naquela torre e atiravam sem motivo justificável quando era feita qualquer movimento suspeito. Ao iniciar a descida, achando que o perigo maior tinha passado, sou surpreendido: encontramos um homem revoltado que, sem que eu conseguisse entender nada, brigava com meu guia. Meu guia ficou com medo. O outro me puxou pelo braço para que eu descesse junto. Ele falava muito mal inglês e eu não conseguia entender. Ele alegava que tinha me visto antes e eu tinha que dar dinheiro a ele. Até que eu expliquei que já havia dado dinheiro ao meu guia, mas que tinha um grupo de cinco amigos brasileiros que iriam para lá amanhã. Pedi o telefone dele e disse que o indicaria. Era mentira”.

Durante toda a viagem, Léo conta que sentiu muito cansaço, um esgotamento mental. “Uma tensão desgastante. Um nível de stress muito alto, o que gerou uma estafa. Por isso, resolvi ir para a Jordânia descansar um pouco e seguir a viagem”.

Dois dias depois, Léo Villanova planejava ir ao Egito e para isso precisava atravessar o mar Vermelho. O caminho parecia simples, bastava pegar um navio de passageiros, mas o brasileiro já havia perdido o único horário do dia. A solução era o navio de cargas.

Perrengues

Ao entrar nesta embarcação, um egípcio exigiu que o publicitário brasileiro e os outros turistas entregassem os passaportes. “Antes disso, tinha guardado a passagem dentro do passaporte. Quando chegamos ao destino, na hora de descer, fomos barrados e exigiam que pagássemos a passagem. Expliquei que estava no passaporte, mas a resposta era: não vão sair! Graças a um tripulante mais apressadinho, conseguimos descer do navio”.

No meio do deserto, a caminho do Monte Sinai, Villanova sentiu o desgaste além do calor. “Quanto você chega na van, pergunta para onde ela vai e não pra onde você quer ir. Mas é na hora do preço que se inicia a grande batalha da negociação. No meio do deserto, o motorista me deu um preço, não aceitei, ele foi embora. Fiquei ali sozinho. Daqui a pouco, ele voltou com uma oferta mais barata, recusei. Ele me deixou sozinho novamente. E isso se fez repetidas vezes até que se chegasse a um preço razoável. Você determina o que quer pagar sempre. O valor que fica no final depende da sua paciência em negociar e chegar logo ou não a exaustão”, relembrou.

Para o Cairo, Léo foi de avião. No aeroporto teve a impressão de que poderia ficar tranquilo. Até descobrir que não tem transporte. “Para sair do aeroporto, enfrentei mais uma batalha. Tive que descobrir a melhor maneira para me prejudicar minimamente, porque a única certeza que eu tinha era de que seria lesado. Então, busquei a maneira mais suave. Não tem transporte oficial. É uma máfia de transporte. Seja qual for sua escolha, sempre estará atrelada a um atravessador que negocia a sua saída. E ali mesmo, se você não tiver hospedagem, vai ter que resolver ali com o negociador. E se eu não negociasse ali minha saída e hospedagem, eu ficaria eternamente no aeroporto, estilo Tom Hanks”, explicou.

Nos cinco dias que passou no Egito, o alagoano já tinha notícias de outros países da região estavam em guerra civil e percebia uma movimentação estranha também no Cairo. “O exército já havia tomado as ruas e as pessoas não saiam mais de casa. O movimento no Centro já era diferente. Já tinha muito cartaz. A ideia já estava disseminada. No dia que resolvi voltar, já não tinha mais transporte para ir ao aeroporto. Próximo à praça Tahrir já estava tendo quebra-quebra. Confrontos armados”, menciona Léo, que ao chegar ao Brasil leu notícias veiculadas na impressa sobre a explosão da revolta em várias cidades egípcias.

“A grande verdade é que a noção do perigo só foi mensurada quando cheguei em casa. Porque parei e pensei com calma em tudo que aconteceu. Durante a viagem, a única coisa que queria era resolver as coisas e curtir o momento. Depois que voltei desta viagem especificamente, passei mais de um mês tendo pesadelo toda noite. Quando voltei, me prometi nunca mais voltar para aquele lugar. Um ano depois, eu estava na Tunísia”, finalizou.

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