O acordo entre as partes contratantes, com o objetivo de extinguir o vínculo das obrigações estabelecido pelo contrato ou, simplesmente, distrato ainda é um assunto de divergentes opiniões dentro da cadeia da construção civil.

A Câmara dos Deputados acatou, em votação simbólica, as emendas definidas pelo Senado Federal que validam as mudanças no projeto que fixa direitos e deveres das partes nos casos de rescisão de contratos de aquisição de imóveis em regime de incorporação imobiliária ou loteamento (PLC 68/2018). Agora, o texto segue para sanção presidencial.

“A regulamentação do distrato é uma necessidade imediata para o mercado imobiliário. É sinônimo de mais emprego e tranquilidade”, comemorou o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção, José Carlos Marins.

O texto aprovado pelo colegiado mantém a previsão de que as construtoras fiquem com até 50% dos valores pagos pelo consumidor em caso de desistência da compra. O projeto voltará à Câmara dos Deputados por haver mudanças no texto original.

Responsável por apresentar parte das emendas aprovadas, a senadora Simone Tebet frisa a importância do comprometimento com a segurança jurídica.

“Eu gostaria de deixar bem claro que eu sou favorável a um projeto que dê segurança jurídica às incorporadoras, às imobiliárias, para que elas possam investir e voltar a gerar emprego. Nós não temos dúvida que o ramo da construção civil é o que mais emprega no Brasil. O problema é que o projeto, da forma como veio da Câmara, é inconstitucional, não garante segurança jurídica”, argumentou a senadora.

A multa de até 50% prevista no texto aprovado pelos senadores quando o empreendimento tiver seu patrimônio separado do da construtora, mecanismo chamado de patrimônio de afetação (ou seja, as parcelas pagas pelos compradores não se misturam ao patrimônio da incorporadora ou construtora e não poderão fazer parte da massa falida caso a empresa enfrente dificuldades financeiras). Para os demais casos, ou seja, fora do patrimônio de afetação, a multa prevista para o consumidor é de até 25%. A nova regra desagradou parte da casa legislativa.

“Muitas construtoras, quando vendem o apartamento na planta e fazem o lançamento, já sabem que o cidadão que começou a pagar, ao chegar o momento de receber e fazer o financiamento na Caixa, não vai ter aprovado o financiamento, porque o cidadão não tem renda para tal. Num mato sem cachorro, o que faz o cidadão? Perde o seu imóvel e ainda é multado em 50%, uma multa absolutamente alta”, disse o senador Magno Malta.

Enquanto não havia definição concreta sobre as regras do distrato imobiliário, as decisões eram tomadas pelo Poder Judiciário, que punia com valores bem menores que os decididos pelo Congresso Nacional quem desistisse da compra.

A jurisprudência consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça permite a possibilidade de revogação da promessa de compra e venda de imóvel na planta é um direito assegurado ao promissário comprador, seja por mero desinteresse seu ou mesmo por não mais reunir condições financeiras para arcar com os compromissos assumidos.

“Foi fundamental a aprovação do tema no Congresso Nacional, pois a defesa do setor sobre a irretratabilidade e irrevogabilidade dos contratos acabou desrespeitada pelo Judiciário. Agora, esperamos que a maior clareza e transparência que se farão necessárias nos compromissos de compra e venda, seja efetivamente respeitada resultando em maior segurança jurídica para o funcionamento do mercado imobiliário”, avalia Celso Petrucci, economista especialista em mercado imobiliário há mais de 20 anos.

A medida adotada pelo judiciário também gera controvérsias.  Mas, apesar das latentes divergências, todos os envolvidos são categóricos no desejo: um projeto de distrato imobiliário equilibrado que possa gerar o menor impacto negativo na construtora e no consumidor.

Para a PROTESTE, Associação de Consumidores, estas alterações levam em conta apenas os interesses das incorporadoras, que alegam que a retenção dos valores já pagos por quem desistir do imóvel é essencial para concluir as obras, e prejudicam o consumidor que, diante do cenário de crise econômica no Brasil, se vê obrigado a desistir da tão sonhada compra do imóvel próprio e ainda perde até metade do que pagou.

Já o economista Maílson da Nóbrega posiciona que a desistência provoca desequilíbrio econômico do empreendimento.

“Os distratos são uma aberração do nosso mercado imobiliário. O comprador pode desistir unilateralmente da compra de imóvel de condomínio em construção. Além disso, consegue que um juiz condene a construtora a devolver as parcelas pagas, acrescidas de correção monetária, um golpe adicional. Isso não existe em nenhum lugar sério”, escreveu Nóbrega.

O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins, a expectativa é de que o projeto de lei seja sancionado ainda este ano pelo presidente da República Michel Temer.

“Certamente, Temer entende a importância das regras dos distratos para o setor e vai querer assinar o marco regulatório do setor imobiliário”, disse Martins.

Além da segurança jurídica tão aclamada pelo setor, para o presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz Antônio França, a regulamentação também terá consequências positivas na potencialização dos investimentos.

“Essa medida vai trazer a felicidade das pessoas, que poderão ter sua casa própria, a felicidade do trabalhador, que terá seu emprego de volta, e uma arrecadação muito importante para o Estado e para o governo federal”, afirmou França.

“A aprovação da nova lei vai gerar um ímpeto de injeção de recursos no segmento de média e alta renda”, diz o diretor de relações com investidores da Eztec, Emílio Fugazza, à imprensa.

Polêmica

O PLC 68/2018 foi rejeitado pela CAE em julho, mas um recurso levou-o para o Plenário, onde o texto recebeu novas emendas. Com isso, a proposta voltou à comissão e o senador Armando Monteiro (PTB-PB) foi designado relator para se manifestar sobre as novas sugestões.

No dia 1º de novembro, Monteiro entregou seu relatório. Agora o projeto retorna ao Plenário e em regime de urgência, de acordo com requerimento do senador Romero Jucá (MDB-RR) também aprovado nesta quarta-feira. Os senadores favoráveis alegam que o projeto atualiza as regras, dando segurança jurídica às construtoras e aos consumidores na hora da negociação.

Por outro lado, há parlamentares que consideraram o texto mais favorável às empresas, sendo necessário mais equilíbrio.

O que diz

Conforme o projeto, o atraso de até 180 dias para a entrega do imóvel não gerará ônus para a construtora. Se houver atraso maior na entrega das chaves, o comprador poderá desfazer o negócio e terá direito a receber tudo o que pagou de volta, além da multa prevista em contrato, em até 60 dias. Se não tiver multa prevista, o cliente terá direito a 1% do valor já desembolsado para cada mês de atraso.

Além disso, permite que as construtoras fiquem com até 50% dos valores pagos pelo consumidor em caso de desistência da compra, quando o empreendimento tiver seu patrimônio separado do da construtora (mecanismo chamado de patrimônio de afetação).

Tal sistema foi criado após a falência da Encol, pois, com o patrimônio afetado, as parcelas pagas pelos compradores não se misturam ao patrimônio da incorporadora ou construtora e não poderá fazer parte da massa falida caso a empresa enfrente dificuldades financeiras.

Para os demais casos, ou seja, fora do patrimônio de afetação, a multa prevista para o consumidor é de até 25%.

 

Engenheiro civil e administrador de empresas, o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), José Romeu Ferraz Neto, avalia positivamente a regulamentação do distrato imobiliário.

Para ele, que também sócio fundador da RFM Construtora e RFM Incorporadora, a ausência de definições de responsabilidade fragilizava o setor imobiliário ao provocar prejuízos generalizados. Leia a entrevista!

Painel Urbano: Como o senhor avalia a recente aprovação do Senado e da Câmara de mudanças e emendas no projeto do distrato?

José Romeu Ferraz Neto: Muito positiva. A ausência de regras claras em relação às responsabilidades pelos distratos de aquisição de imóveis novos vinha afetando seriamente o setor imobiliário. Em função desta ausência, o retorno à construtora ou incorporadora desses imóveis que já haviam sido vendidos provocou prejuízos generalizados. E as famílias compradoras deixaram de realizar o sonho da casa própria.

As empresas se prejudicaram: amargaram desequilíbrio econômico-financeiro nos empreendimentos imobiliários, precisaram ressarcir os adquirentes, manter compromissos já assumidos e arcar com novas despesas para conseguir vender outra vez as unidades habitacionais.

Ao serem obrigadas a aceitar de volta grande número de unidades habitacionais e a devolverem aos compradores um expressivo volume de recursos, muitas construtoras e incorporadoras precisaram adiar novos lançamentos até conseguirem reduzir seus estoques. Por isso, os distratos contribuíram para diminuir o volume de novas obras e, junto com a crise, alimentaram o desemprego de mais de 1 milhão de pessoas na indústria da construção.

Na ausência de uma diretriz legal, as divergências entre compradores e vendedores sobre os valores a serem devolvidos levaram à judicialização dos processos. Sentenças distintas foram proferidas para cada caso e milhares de recursos levaram os processos a instâncias superiores. Tudo isto criou mais insegurança jurídica para os investidores, onerando e desgastando tanto as empresas como os clientes.

Felizmente, em 05 de dezembro a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei que cria regras para os distratos. Aprovado originalmente na Câmara, o projeto havia sido alterado no Senado e retornado à apreciação dos deputados. Ficaram definidas com precisão as obrigações das partes e os ressarcimentos devidos nos casos de desistência do comprador e de atraso na entrega da obra pelo vendedor.

Em função da relevância do tema, a Presidência da República agora deverá sancionar o projeto. Assim, será reinstituído o equilíbrio na comercialização dos empreendimentos imobiliários, dando segurança jurídica para construtoras e incorporadoras continuarem concretizando o maior sonho das famílias brasileiras: a casa própria.

Painel Urbano: Estas mudanças propõem o equilíbrio na relação contratual incorporadora/consumidor ou ainda há desequilíbrio? Por quê?

JRFN: Pelo exposto acima, as mudanças reequilibram a relação contratual, por estabelecerem com bastante clareza quais são os direitos e os deveres das partes no caso de distrato.

Painel Urbano: O que ainda é necessário para que este projeto de lei seja o ideal?

JRFN: O projeto aprovado ainda não é o ideal. Mas eu diria que neste caso, em que as regras precisam contemplar interesses distintos, o projeto é aquilo que resultou de uma longa tramitação no Congresso Nacional. Portanto, em vez de falar em projeto ideal, eu diria que este foi o projeto possível. E seus efeitos certamente serão benéficos para compradores de imóveis, investidores e indústria imobiliária, contribuindo para o incremento da produção e a geração de empregos.