A lei não chega na Muzenza, zona oeste do Rio de Janeiro. Num desafio diário às autoridades, milicianos têm negócio lucrativo nas periferias, comercializando imóveis em situação precária e abaixo do valor de mercado. Apartamentos semelhantes aos que havia nos dois prédios que desabaram no fim da semana passada, deixando pelo menos 11 mortos, custam entre R$ 60 mil e R$ 200 mil nas mãos dos criminosos.

São imóveis erguidos em tempo recorde, junto a encostas e que vêm com a promessa de que serão protegidos por milicianos que dominam a região. Sem autorização de qualquer órgão competente, os prédios irregulares acabam adquiridos por pessoas de baixa renda.

Há menos de 20 anos, somente prédios de dois andares eram permitidos naquela área onde a tragédia da Muzenza ocorreu. Hoje, segundo relatos de moradores, em poucos meses “brotam” prédios de seis ou sete andares, com quatro apartamentos por andar.

Um apartamento com dois quartos e 50 metros quadrados é vendido por cerca de R$ 60 mil. A compra é feita com financiamento sem juros e parcelas fixas de R$ 1.000, após uma entrada de R$ 15 mil. As coberturas chegam a custar R$ 200 mil e as condições são semelhantes.

Um comprador que preferiu não ser identificado, contou ao Uol que nenhum laudo técnico é feito antes, durante ou depois dos prédios erguidos. O imóvel é entregue pronto ao morador, mas somente do lado de fora. “Cada um é responsável por fazer a parte elétrica e hidráulica dentro de casa”, contou o morador, que é natural da baixada fluminense e adquiriu um apartamento em um edifício que fica a poucos metros de um dos dois que desabaram.

Ele comprou o imóvel dando R$ 18 mil de entrada e já pagou seis parcelas. O acordo foi feito diretamente com a imobiliária da região e, segundo o comprador, é o que ocorre com todos os demais proprietários da área. O medo agora é de uma possível interdição e demolição do apartamento recém adquirido.

O fato do negócio ser encabeçado por milicianos não incomoda o comprador, que afirmou que “não vê problema algum” e ainda disse que esse fato garante segurança. “Aqui os moradores dormem de janela aberta, então, e daí se é milícia”.