Todo ano é a mesma coisa: o verão vem chegando e, com ele, muitos inquilinos de temporada se instalam em um pacato prédio de Copacabana. O entra e sai no edifício cheio de moradores idosos nem é o que mais incomoda. E nem o fato de os turistas elevarem em 40% o consumo de água no condomínio, habitualmente em torno de R$ 12 mil mensais. O problema é que, sem hidrômetros individuais, todos pagam pelo aumento, embora só alguns proprietários ganhem “um extra” com os hóspedes.

“São apartamentos de um quarto, mas quem não mora aqui e aluga por temporada acaba botando umas cinco ou seis pessoas. Não tenho nada contra alugar, mas não é justo todos pagarem pelo consumo excessivo de alguns”, diz Pedro de Souza, membro do conselho fiscal do prédio.

Segundo o advogado Hamilton Quirino, o aluguel por temporada tem base legal e não pode ser proibido, e a conta de água não pode ser imposta compulsoriamente. Uma solução, segundo ele, seria a instalação de hidrômetros individuais para ratear de forma mais justa as contas de água.

Pedro de Souza diz que já foi orçada a instalação de medidores individuais para o prédio de 11 andares, mas a obra e a manutenção seriam caras.

“O que poderá ser feito nesse caso é um consenso entre todos, com uma cobrança diferenciada dos que tiverem imóveis alugados na alta temporada”, afirma Quirino.

COTA ÚNICA E RATEIO

Diferentemente das contas de gás e luz, que costumam ser individuais, dividir a despesa com e água conforme o consumo de cada morador é questão antiga e uma das mais difíceis para se chegar a um consenso. Isso porque a solução não é tão simples. No caso de imóveis antigos, embora não haja obrigatoriedade de medidores individuais, a obra é cara, longa e, às vezes, pode até não funcionar direito.

“Esse assunto gera intensos debates e discussões nos condomínios. Em nossa base processual temos uma ação movida por um grupo de moradores contra o condomínio e a empresa contratada para realização da individualização dos hidrômetros, pois a mesma não conseguiu viabilizar a instalação de forma correta dos equipamentos nas unidades”, conta o advogado Leandro Sender.

Hoje, em geral, o condomínio recebe uma conta única e faz o rateio do consumo entre as unidades por fração ideal ou por unidade.

A gerente de gestão predial da Estasa, Anna Carolina Chazan, explica que, nos condomínios com individualização, o rateio é feito de acordo com o consumo medido em hidrômetros separados. Com a obra principal pronta, o custo de hidrômetro e sensores por unidade ficará em torno de R$ 300.

“Já em um condomínio que ainda não tem a individualização da tubulação, os preços para instalar o sistema variam de R$ 1 mil a R$ 16 mil por unidade. Depende muito da estrutura da construção de cada edifício”, explica Chazan.

A OBRIGATORIEDADE

Hamilton Quirino explica que a Lei Complementar 112 tornou obrigatória em imóveis novos a instalação, desde 2011, de medidores de consumo de água individuais, por unidade, nas edificações multifamiliares, comerciais e mistas no Rio. O Habite-se, inclusive, fica vinculado ao cumprimento desta obrigação.

Em 2016, foi sancionada outra Lei (13.312/16), desta vez Federal, que determina que a partir de 2021 todas as edificações novas no país deverão ter hidrômetros individuais.

“Portanto, temos que trabalhar com a legislação municipal”, diz Quirino.

Neste momento tramita na Câmara um projeto de Lei 9397/17, do deputado federal Helder Salomão (PT), que propõe tornar obrigatória a individualização da energia e do gás nos condomínios (embora a determinação para a divisão de água já exista, e as de gás e luz sejam praxe). A justificativa do projeto é que esta é uma forma de evitar que um condômino fique sobrecarregado financeiramente pelo uso abusivo dos serviços.

De fato, todos os especialistas ouvidos acreditam que quando cada um paga pelo que usa, o consumo fica mais consciente e menor. Afinal, dói no bolso.

Segundo o diretor da Precisão Administradora, Ricardo Chalfin, a implantação dos hidrômetros individuais rende uma economia de até 40% no valor pago, além de o morador ganhar também com a valorização do imóvel (15%).

“Com a individualização de água e gás, o consumo se torna mais controlado. Essa economia propicia que novos investimentos sejam feitos no próprio condomínio, trazendo melhorias no ambiente. Outra vantagem importante é a facilidade de diagnosticar vazamentos, uma vez que o consumo é monitorado todo o tempo”, destaca Ricardo Chalfin.

Leandro Sender lembra ainda que, mesmo com a individualização dos hidrômetros, os condôminos continuarão arcando de forma rateada com o consumo referente às áreas comuns do edifício.

“Portanto, para decidir se vale a pena para o condomínio individualizar os medidores hídricos, deve-se, inicialmente, orçar o custo total de obra para essa adequação. Apenas com esse valor será possível analisar se será vantajoso para os condôminos”, diz ele.

MUDANÇA SÓ COM ASSEMBLEIA

Para mudar as regras da medição de água, é necessário que seja feita uma assembleia e calculados os custos de instalação e manutenção (a leitura deve ser feita por uma empresa terceirizada). Segundo Anna Chazan, da Estasa, o ideal é que a decisão de ter hidrômetros individuais em prédios antigos seja unâmnime. Seria o mais justo.

“A Lei, no entanto, não trata especificamente desse tema impondo um quórum especifico para sua aprovação. Mas, dependendo do valor, é necessário que o bom senso prevaleça e o tema seja aprovado por um quórum mínimo, para que não sofra questionamentos futuros”, diz Anna.

De acordo com ela, a orientação pode variar de advogado para advogado, mas há um entendimento predominante de que a obra de individualização é algo necessário. Desta forma, não haveria um quórum específico para aprovação.

Já Leandro Sender diz que, caso os moradores tenham interesse em fazer a alteração, deverá ser convocada assembleia em que a obra deverá ser aprovada por 2/3 dos condôminos.

Hamilton Quirino, por sua vez, diz que não há lei prevendo quórum para tal mudança, mas que na prática são mesmo os 2/3.

“As convenções, geralmente, são omissas a respeito. Na prática, tem sido aplicado o quórum qualificado de dois terços dos condôminos, por uma interpretação do Código Civil, já que as obras têm que interferir na área comum e nas unidades autônomas. Na maioria dos casos, em prédios antigos, o hidrômetro individual não é ligado às concessionárias. Assim, é contratada uma empresa, que tem um medidor externo para controlar o gasto de cada um e, depois se faz o rateio proporcional. Tal controle é feito à distância, com grande grau de eficácia, havendo poucos casos de reclamação”, explica Hamilton Quirino.

Fonte: O Globo