Preservar a intimidade é um desafio moderno. O inchaço da população urbana e a necessidade de prédios para atender à demanda consumidora criam uma atmosfera cada vez maior de empreendimentos verticais. Inevitavelmente, um morador se depara com um momento de privacidade do vizinho.

A intimidade acaba sendo compartilhada com estranhos – noites solitárias de insônia, jantares românticos, trocas de roupa e até cenas mais particulares de sexo.

Recentemente, o ator Cauã Reymond foi flagrado meditando supostamente nu dentro de seu apartamento com a janela aberta. A situação é mais comum do que se imagina e muitos vizinhos se deparam com momentos semelhantes.

Questionado pela imprensa, o galã global informou por nota da assessoria que “as fotos configuram um flagrante ato de invasão de privacidade, o autor do material já foi identificado e será acionado judicialmente, bem como os veículos que o compartilharam”.

Quem também costuma andar sem roupas pelo próprio apartamento é a design de interiores, que ganhou fama ao adesivar os seios durante manifestações na cidade de São Paulo, Juliana Isen.

A socialite vive em um apartamento de luxo na Zona Sul paulista e, ao contrário de Cauã Reymond, não se incomoda de ser vista nua pelos vizinhos.

“Eu só gosto de andar nua na minha casa. Pra completar, a cortina da varanda está com problema (risos). A Maria (emprega doméstica de Juliana) fica doida comigo, mas eu não gosto de roupa. Tenho esse problema de calor. Os vizinhos ficam com binóculo olhando, mas eu quero ficar à vontade”, comentou em entrevista ao Ego.

Este assunto é polêmico e motivou o questionamento de um leitor ao jornal norte-americano The New York Times. O nova-iorquino enviou uma mensagem para a seção imobiliária do jornal e narrou toda a sua insatisfação com o incomodo do morador do prédio vizinho que reclamou por vê-lo nu.

Em resposta, o The New York Times informa que existem regras de decência na cidade e que há limite de comportamento, mas circular pelado na própria residência não configura infração à lei. A menos que, intencionalmente, o morador exponha seu corpo nu à comunidade.

Para alguns especialistas em Direito Imobiliário, a ‘falta’ de liberdade é algo bastante compreensível diante do crescimento populacional urbano, mas é preciso bom senso para evitar problemas maiores.

Bons costumes

O Código Civil brasileiro dispõe ao morador da unidade habitacional a obrigação de preservar os bons costumes. De acordo com o artigo 1.336, inciso IV, é dever do condômino ‘dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes’.

O mesmo artigo também prevê penalidade para o infrator das regras. Segundo a legislação, ‘o condômino pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem; não havendo disposição expressa, caberá à assembleia geral, por dois terços no mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da multa’.

Um empresário que vive na cidade de Campinas, eventualmente, circula pela sua cobertura sem roupa. “Acabei de me mudar e as cortinas ainda não chegaram. Tento me policiar, mas eventualmente esqueço e passo na sala pelado”, comenta o empresário, que preferiu não se identificar, e mora cercado de prédios.

Para o advogado especialista em condomínio Inaldo Dantas, a permissão ou não de nudez depende do que ela pode provocar.

“Se o comportamento do morador (ao andar pelado) estiver provocando algum problema, ele deve se readequar. Ninguém pode dispor de sua propriedade (mesmo que seja sua residência) de forma prejudicial à vizinhança. Este tipo de prática atenta à moral e aos bons costumes. Porém, para que se caracterize o ilícito, é necessário que os prejudicados se pronunciem”, explica o advogado.

Já a funcionária pública que mora um prédio no bairro da Ponta Verde relatou ter uma amiga que troca de roupa sem pudor ou preocupação com a janela.

“Ela é assim. Nunca se preocupou em ser vista ou não por vizinhos, inclusive de outros prédios. Já pedi várias vezes para que ela tomasse cuidado, mas parece não adiantar”, disse a moradora, que preferiu não se identificar para não expor a amiga.

Mas o morador do apartamento é o responsável pelo comportamento de seus visitantes.

“Quem quer que seja que esteja dentro do condomínio, inclusive da unidade habitacional, ali está devido à autorização e responsabilidade do morador da residência. Portanto e consequentemente, assume toda a responsabilidade pelos atos de suas visitas”, afirma Inaldo Dantas.

“Se o comportamento do morador (ao andar pelado) estiver provocando algum problema, ele deve se readequar”

Inaldo Dantas, advogado

Além do pagamento de multa, a exposição do corpo pode ser considerada comportamento antissocial e gerar até, em casos extremos, a expulsão do morador.

Antes que decisões drásticas sejam tomadas, o advogado Inaldo Dantas sugere que o síndico tenha bom senso para mediar a situação.

“Diálogo sempre foi o remédio mais eficiente. Porém, o síndico só deve se dirigir ao infrator após reclamações por escrito dos demais moradores. Se o diálogo não resolver, que se aplique a lei e as penalidades nela previstas – inicialmente com as multas e, caso não seja solucionado, com a expulsão do condômino por comportamento antissocial”, disse Dantas.

Em alguns casos, a nudez é externa ao condomínio. Ou seja, o dono de uma propriedade ao lado do prédio circula frequentemente pelado por sua casa, mas seu comportamento pode ser visto pela janela de várias unidades habitacionais do condomínio.

Neste caso, Inaldo Dantas instrui que os incomodados com as circunstâncias procurem a polícia.

“A atitude adequada é denunciar o caso na delegacia de Polícia Civil mais próxima e requerer ao delegado que instaure inquérito policial com o devido encaminhamento do caso à justiça criminal”, explica ele.