Parque Flamboyant, em Goiânia. (Foto: Ângela Macário)

Já imaginou colocar o nome da sua empresa no maior buscador do mundo, o Google, e ter como primeira opção o link da empresa concorrente usando expressamente seu nome no texto de anúncio? Foi o que aconteceu com a imobiliária goiana Urbs.

Ao procurar a Urbs no buscador, o usuário tinha como predileção o anúncio e link de acesso à startup de serviços imobiliários Quinto Andar com os dizeres ‘Urbs Imobiliária| 1 imóvel alugado a cada 10 min| QuintoAndar.com.br’.

Isto acontece porque o Google permite que o anunciante pague para ter sua empresa no topo das buscas e escolha que palavras quer relacionar a sua marca. Questionado, o Google não se pronunciou sobre o assunto até a publicação desta matéria.

Em Goiânia, ao buscar pela Urbs Imobiliária, o primeiro resultado mostrado era da startup de alugueis QuintoAndar.

Para José Humberto Carvalho, diretor da imobiliária Urbs, que atua no mercado imobiliário há 42 anos, o fato é inaceitável e inibe a livre concorrência de mercado.

“Não aceitamos este tipo de situação! Acho que isso não é concorrência e sim desonestidade. Assim que soubemos, denunciamos no Google e logo depois falei com um dos diretores da empresa solicitando de imediato a retirada do nome da Urbs na publicidade deles”, explica José Humberto Carvalho, destacando que todas as medidas legais cabíveis foram tomadas.

Procurada pelo Painel Urbano, a empresa QuintoAndar esclareceu que “o anúncio em questão ficou ativo devido a um erro técnico, sendo retirado menos de três horas depois de identificado, sem danos para os clientes das duas empresas. A prática não faz parte das estratégias do QuintoAndar, que preza pela transparência, pela ética e pela responsabilidade em todas as suas ações”.

O serviço utilizado pela startup imobiliária é conhecido como Google AdWords, que oferece a potencialização de clientes a partir do anúncio. A ferramenta permite que o pagamento somente exista quando alguém interagir com anúncio (na forma de visita de site ou ligação a empresa, por exemplo) e pode ser feita em três passos: criar anúncio de texto; definição de palavras-chave relevantes e escolha do valor de investimento.

É no momento de indicar as palavras-chave relacionadas que a uma empresa pode induzir ou correlacionar a sua concorrente para capitar o cliente. A prática é feita em diversos setores da economia, sendo motivo frequente de ação judicial.

O especialista em Direito Digital, Marcelo Crespo, diz que a escolha do nome de empresa concorrente como palavra-chave para anúncio no Google é ilegal. (Foto: Divulgação)

Com mais de 15 anos de experiência em Direito Digital, o advogado Marcelo Crespo, sócio do escritório paulista Patrícia Peck Pinheiro Advogados, diz que a escolha do nome de empresa concorrente como palavra-chave para anúncio no Google é ilegal e pode ser interpretada como crime de concorrência desleal e ter repercussões cíveis.

“Quando uma empresa adquire palavras-chave que são nomes de concorrentes ou expressões outras protegidas pela propriedade intelectual, ela atua de forma antiética, podendo causar confusão com o público-alvo e, assim, desviar deslealmente público do concorrente para si. Isso, inclusive, pode ser enquadrado como crime”, afirma Marcelo Crespo.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro reforçou o entendimento de que o uso indevido de marcas de terceiros pelo Google AdWords pode ser caracterizado como prática de concorrência desleal e acarreta a obrigação de indenizar.

O e-commerce Groupon reivindicou judicialmente o uso indevido de seu nome empresarial pela agência de viagens online Hotel Urbano como palavra-chave no anúncio do buscador do Google. O Judiciário fluminense reconheceu a atitude desleal da agência, argumentando, inclusive, não haver outro significado para ‘Groupon’ que não a empresa online – mesmo com a defesa do Hotel Urbano alegando que o Google só comercializa termos não registrados como marca.

“Note-se, nesse contexto, que a utilização do nome de marca concedida a uma empresa concorrente como palavra-chave no sistema de divulgação nas pesquisas feitas por usuários na internet caracteriza concorrência desleal, por permitir a atração indevida de clientela, com a confusão ao consumidor, a teor do art. 195, IV, da Lei nº 9.279/96”, argumentou em decisão o relator do recurso, o desembargador Carlos Eduardo Moreira da Silva.

Em São Paulo, o desembargador Cláudio Godoy, ao julgar recurso de uma ação semelhante também por uso de palavra-chave, foi contrário à manipulação do redirecionamento do usuário com o resultado da pesquisa de busca, acreditando ser negativa para o site da empresa, pois acaba “diluindo-se a marca ou depreciando-se a imagem profissional da vítima”.

De acordo com a advogada especialista em Direito Digital, Andréa Ronzoni Kaplan, do escritório na Braga Nascimento e Zilio Advogados Associados, o comportamento de compra de palavras-chave associada à empresa concorrente desrespeita princípios da ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa.

“O que a torna ilegal é a sua utilização, por exemplo, de forma antiética, com a aplicação de palavras-chaves com a marca ou nome do produto de empresa concorrente como instrumento de “chamariz” dos consumidores. Essa atitude, de plano, já configura desrespeito ao artigo 170, IV e V, da Constituição Federal. Isso porque a livre iniciativa, neste caso, está rechaçando a livre concorrência e a defesa do consumidor”, escreveu em artigo Andréa Kaplan.

Para o diretor da imobiliária Urbs, José Humberto Carvalho, utilizar o nome de empresa concorrente como palavra-chave de busca é inaceitável e inibe a livre concorrência de mercado. (Foto: Divulgação)

Para José Humberto Carvalho, esta forma de utilização da palavra-chave excede o limite da concorrência saudável.

“Acho que toda concorrência seja saudável, mas este tipo de atitude acredito ser mais desespero por conquistar o mercado para mostrar para os acionistas já que é uma empresa com capital de investidores. São esses tipos de atitudes que só atrapalham e confundem o cliente, empresas como esta deveriam ser penalizadas de forma mais severa”, frisa o empresário goiano.

O advogado Marcelo Crespo esclarece que a empresa que se sentir prejudicada pode requerer seus direitos na Justiça.

“A compra de palavra-chave com o nome da concorrente pode significar um desvio de clientela ou confusão nos clientes. Pode configurar crime e ter repercussões civis. Cabe ao prejudicado tomar medidas extrajudiciais e judiciais para resguardar seus direitos, o que dependerá de atuação de advogado. Há alternativas e estratégias distintas para cada caso. Somente um advogado poderá delinear a melhor forma de atuação”, afirma o especialista em Direito Digital.