O fiador é o indivíduo responsável pelo cumprimento de pagamento ou de obrigação de outra pessoa e também a modalidade de fiança mais utilizada em negócios e contratos do mercado imobiliário. Porém, a recente decisão do Superior Tribunal Federal (STF) de afastar penhorabilidade de bem de família do fiador na locação comercial pode trazer insegurança jurídica.

A Primeira Turma do STF decidiu que não é possível penhorar o bem de família do fiador na locação comercial. Por maioria dos votos, os ministros proveram o Recurso Extraordinário (RE) 605709, no qual o recorrente alegava ser nula a arrematação de sua casa – localizada em Campo Belo (SP) – em leilão ocorrido no ano de 2002.

Segundo o recorrente, o imóvel seria impenhorável por ser sua única propriedade, sendo ele o responsável pelo sustento da família. Assim, alegou que, na hipótese, cabe a proteção do direito fundamental e social à moradia.

O contrato imobiliário, em geral, exige uma forma de garantia financeira para formalizar a negociação. Em São Paulo, por exemplo, um levantamento da Lello Imóveis, maior imobiliária do Brasil, o fiador foi a forma utilizada em mais de 50% dos contratos firmados em 2017.

Segundo dados do Secovi Rio, o fiador é utilizado em 57% dos contratos residenciais e em 51% dos comerciais. O seguro-fiança representa 23% e a caução 15% (imóveis residenciais). Quando a possibilidade de penhora do bem foi incluída na lei de locação (nº 8.245), em 1991, o objetivo era aquecer o mercado de alugueis e também trazer mais garantia aos locadores.

Na prática, a transação de locação imobiliária, a figura do fiador é imprescindível para que o acordo seja fechado, pois é dele a responsabilidade pelo não cumprimento das obrigações do inquilino. Assim, caso não haja o pagamento dos alugueis ao proprietário, o fiador arca com o ônus da dívida.

Uma das explicações para a escolha do fiador como a alternativa mais frequente se dá pelo fato de não acarretar custos a quem aluga um imóvel. Nas outras modalidades disponíveis no mercado de locação (seguro ou caução), existe a necessidade de um custo inicial maior ou encarecimento do valor do aluguel.

“A fiança é a única das garantias que é gratuita. É muito utilizada no residencial, mas, em especial, em contratos comerciais de pequeno porte. Em um momento em que ainda estamos saindo da crise, isso pode ter consequências gravíssimas para um mercado que precisa de incentivos para produzir e não o contrário”, disse à imprensa a advogada Moira Toledo, que é diretora da vice-presidência de Gestão Patrimonial e Locação do Secovi-SP.

De acordo com a Lei Federal 8.009/90, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família, o bem pode ser penhorável em caso de processo de execução movido por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

Especialistas do Direito Imobiliário avaliam que parecer pode ser visto negativamente pelos donos dos imóveis, pois a decisão da Suprema Corte abre espaço para que a inadimplência do inquilino não seja quitada.

“Essa decisão traz muita insegurança jurídica e o judiciário sempre deve decidir para trazer tranquilidade para o mercado”, comentou Marcio Rachkorsky, advogado há mais de 25 anos.

No Supremo

O julgamento deste processo teve início em outubro de 2014, quando o ministro relator Dias Toffoli, então componente da Primeira Turma, votou pelo desprovimento do RE, entendendo que a penhorabilidade do bem de família é possível tanto na locação residencial como na comercial. Na ocasião, o julgamento foi suspenso pelo pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso. Em junho deste ano, ele apresentou voto acompanhando o relator.

De acordo com Barroso, o Supremo tem entendimento pacífico sobre a constitucionalidade da penhora do bem de família do fiador por débitos decorrentes do contrato de locação residencial.

Para o ministro, a lógica do precedente é válida também para os contratos de locação comercial na medida em que, embora não envolva direito à moradia dos locatários, compreende o seu direito à livre iniciativa que também tem fundamento constitucional. Segundo ele, a possibilidade de penhora do bem de família do fiador que, voluntariamente oferece seu patrimônio como garantia do débito, impulsiona o empreendedorismo ao viabilizar a celebração de contratos de locação empresarial em termos mais favoráveis.

No entanto, a ministra Rosa Weber abriu divergência ao acolher o parecer do Ministério Público Federal (MPF), que se manifestou pelo provimento do recurso extraordinário, entendimento seguido pela maioria dos ministros. A ministra fez considerações no sentido de que não se pode penhorar o bem de família na locação comercial.

Do mesmo modo votou o ministro Marco Aurélio, segundo o qual deve haver manifestação de vontade do fiador na locação residencial ou comercial, acrescentando que, quanto à impenhorabilidade, a lei não distingue o tipo de locação. Para ele, não se pode potencializar a livre iniciativa em detrimento de um direito fundamental que é o direito à moradia, tendo em vista que o afastamento da penhora visa a beneficiar a família. Também votou com a divergência o ministro Luiz Fux, no sentido da impenhorabilidade.

A decisão do STF pode ainda criar um ambiente perigoso em que os locadores comecem a exigir mais garantias antes de assinarem os contratos de locação comercial ou residencial, já que se aumenta o risco de não receberem o aluguel nem mesmo do fiador.

Especialistas concluem que a decisão deixa mais frágil a figura do fiador que possui apenas um imóvel. A partir desse caso, as imobiliárias e administradoras de imóveis vão podem começar a fazer uma análise patrimonial do fiador muito mais criteriosa.