Sylvio Capanema, Advogado e Desembargador aposentado (Foto: Divulgação)

A compra e venda de imóveis pode ser celebrada ad corpus ou ad mensuram, segundo a vontade das partes.

Na venda ad corpus as metragens do imóvel são meramente enunciativas, não influindo na fixação do preço. Servem, portanto, para melhor situar o imóvel, extremando-o dos vizinhos.

O adquirente avalia se o preço lhe convém ou é justo, porque tem o perfeito conhecimento do corpo do imóvel, ou seja, de sua real existência e dimensões.

É o que acontece, normalmente, embora não seja obrigatório, na compra de imóveis urbanos, como casas ou apartamentos, que costumam ser de menores dimensões, podendo ser abarcados, em sua totalidade, pelo exame do comprador.

Em se tratando de venda ad mensuram o preço do imóvel é determinado pela sua área, razão pela qual suas metragens exercem função muito mais importante, impactando diretamente em seu valor, tal como acontece, também como regra geral, mas não obrigatória, em se tratando de imóveis rurais, de grandes extensões.

Nesta hipótese, se o comprador, após a celebração do contrato, verificar que a área não corresponde às dimensões declaradas, sendo menor, terá direito a exigir a sua complementação, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional do preço.

A ação cabível é a ex empto, sujeita a prazo decadencial de um ano, a contar do registro do título aquisitivo no cartório imobiliário.

No passado travou-se acirrado debate, envolvendo a legitimidade do alienante, para ajuizar a ação ex empto, quando se verificasse que a área real do imóvel era maior do que a declarada.

Uma vertente doutrinária opinava pela negativa, sustentando que só o adquirente poderia manejar a ação, ainda mais porque só a ele se referia o Código Civil de 1.916, silenciando quanto ao alienante.

O argumento era no sentido de, neste caso, ser inescusável o erro do vendedor, que teria as condições fáticas necessárias para medir corretamente a área oferecida, se decidiu aliená-la sob a forma ad mensuram. Trata-se da prudência que se exige do homem médio.

Sua conduta traduziria negligência ou imperícia, pelo que deveria suportar as suas consequências.

Quanto ao comprador, entretanto, era desculpável o erro, já que, não tendo ainda sido imitido na posse, seria difícil para ele conferir a metragem, tendo que confiar na informação do vendedor.

A outra corrente doutrinária invocava, em seu socorro, o princípio da vedação do enriquecimento sem causa, que ocorreria, caso o comprador recebesse área maior, pela qual nada pagou.

O novo Código Civil, em boa hora, supriu a lacuna, dando-nos a resposta, que, curiosamente, prestigiou as duas correntes, como se vê do artigo 500, § 2º.

Assim é que, constatando-se que a área real é maior que a constante do título, caberá ao alienante o direito de exigir o pagamento correspondente ao excesso, ou, não sendo possível, sua devolução, o que traduz perfeita simetria entre as partes.

Mas, para que possa o vendedor reclamar este direito, terá que provar que tinha motivo para ignorar a medida exata da área vendida, o que justificaria o seu equívoco, tornando-o escusável.

A título de exemplo, podemos imaginar que o vendedor não tivesse a posse do imóvel, ocupado por terceiro, ou que parte dele fosse de difícil acesso, impedindo ou dificultando, significativamente, a medição.

Como se vê, a ação ex empto pode ser manejada por ambas as partes, em ocorrendo diferença da área, para mais ou para menos, o que se recomenda, inclusive, em homenagem aos princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio econômico dos contratos.

Caberá ao juiz, diante do caso concreto, avaliar se era justa a razão invocada pelo vendedor, para não conhecer exatamente as dimensões do imóvel.

Ressalte-se, finalmente, que as modalidades ad corpus e ad mensuram só se admitem para a compra e venda de imóveis, não se aplicando aos bens móveis, qualquer que seja o seu valor.

Mais uma questão polêmica se apresenta, envolvendo as modalidades da venda, se feita ad corpus ou ad mensuram.

O que acontecerá se as partes não declinarem, expressamente, se o negócio é celebrado por uma destas formas?

A questão é relevante, em razão das consequências jurídicas e econômicas acima enumeradas.

Ou seja, se a venda se considerar feita ad corpus, não caberá a reclamação quanto à eventual diferença de área.

Se, ao contrário, considerar-se ad mensuram, poderão as partes se valer da ação ex-empto.

O paragrafo 1º do artigo 500 nos dá uma primeira resposta, segundo o qual presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo da área total enunciada.

Neste caso, considerar-se-á celebrada a venda na modalidade ad corpus, não cabendo ao comprador reclamação, salvo se provar, que em tais circunstâncias não teria realizado o negócio.

Um outro critério hermenêutico seria considerar como ad corpus a venda que tenha por objeto imóveis urbanos, e como ad mensuram as que se referissem a imóveis rurais, já que esta é a prática comum do mercado.

Uma última referência se impõe, antes de encerrar estas considerações sobre as modalidades de venda acima estudadas, e que diz respeito ao prazo decadencial de um ano, para o manejo da ação ex empto.

Se houver atraso na imissão do adquirente na posse da área, por fato imputável ao vendedor, a contagem decadencial não se inicia no registro do título, e sim da data efetiva em que se deu a imissão.