Nada melhor para curtir as férias do que uma boa viagem. Mas, em tempos de crise econômica, a ordem é se divertir com economia. Por isso, o aluguel de apartamentos por temporada vira a acomodação perfeita para este tipo de viajante, pois, além de oferecer melhores preços, lembra o conforto e o aconchego de casa.

A jornalista Rafaella Ramos passou o feriadão de finados em Curitiba e a motivação para se hospedar em apartamento foi financeira.

“Eu fui passar cinco dias em Curitiba, no Paraná e optei pelo apartamento por conta dos custos e da possibilidade de poder cozinhar. A diferença de preço foi muito grande. Em um hotel, e por ser feriado, gastaria o dobro do valor”, argumenta Rafaella.

Para o turista, parece a solução ideal. Mas, para os moradores, a locação temporária pode ser motivo de transtornos que vão além do barulho excessivo ou da bagunça no corredor.

Ao receber os visitantes temporários, a portaria do condomínio fica vulnerável, o que fragiliza a segurança. Outro ponto em questão é o incômodo que os vizinhos sentem por conviver com estranhos nas áreas comuns do condomínio.

De acordo com o Código Civil, é dever do condômino não utilizar a destinação da edificação de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.

Segundo o dentista Carlos Alberto de Macedo, no prédio onde vive e é síndico há quatro anos cerca de 60% das unidades habitacionais têm o aluguel como destinação e o principal problema é o não cumprimento das regras condominiais pelos locatários.

“O aluguel em si já causa um grande transtorno ao condomínio. Os inquilinos querem usar a estrutura do prédio como hotel. Sequer tomam conhecimento das regras condominiais, avalie respeitá-las. O locatário não quer preservar o patrimônio alheio. A sauna, por exemplo, foi danificada em menos de três meses e não pudemos usar a garantia porque o laudo constatou que o dano foi causado por mau uso”, comenta o síndico.

Os inquilinos querem usar a estrutura do prédio como hotel
Carlos Alberto de Macedo, síndico

Vale salientar que as desordens realizadas por inquilinos são de responsabilidade do proprietário com penalidades previstas em lei sob sua inteira culpabilidade, inclusive criminais.

“A responsabilidade é do proprietário do imóvel. E, dependendo da infração, se for apenas por descumprimento ao Regimento Interno e Convenção de Condomínio, a penalidade será aplicação de multa prevista nas normas do condomínio. Já se o locatário, por exemplo, causar algum dano ao condomínio, além da multa, nascerá a obrigação de indenizar. De outro vértice, se for uma infração penal, será responsabilizado criminalmente”, explica a advogada especialista em Direito Imobiliário Tatiana Tomzhinsky.

Os inquilinos temporários não se interessam em conhecer as regras do condomínio. Seja por descaso ou desconhecimento, o fato é que estes locatórios costumam violar as mais variáveis normas – utilizar roupas molhadas no elevador social, estacionar na garagem errada, fazer sexo na piscina, e até mesmo infrações que causem danos ao condomínio e aos moradores, como furtos e agressões.

No condomínio do dentista advertências e multas são frequentes. “Os moradores reclamam e pressionam bastante por conta da desordem causada e, sempre agindo de acordo com as regras, enviamos advertências e multas aos proprietários”, disse Macedo.

“A responsabilidade é do proprietário do imóvel”
Tatiana Tomzhinsky, especialista em Direito Condominial

Orientação jurídica

De acordo com o artigo 48 da Lei 8.245, famosa Lei do Inquilinato, ‘considera-se locação para temporada aquela destinada à residência temporária do locatário e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel’.

Legalmente, cabe ao proprietário do imóvel ceder ou não seu bem a um terceiro, de maneira remunerada ou gratuita. Mas, cada vez mais, moradores e síndicos questionam se a modalidade é legal também quando interfere na rotina residencial do condomínio.

De acordo com a Tatiana Tomzhinsky, existe uma corrente doutrinária que defende a necessidade expressa de previsão na convenção de exploração da unidade na modalidade de hospedagem (aluguel de curta duração) para que ela possa ser executada.

“Eu recomendo, acrescentar uma cláusula no Regimento Interno do Condomínio, proibindo essa modalidade de locação, por meio de votação em assembleia. Pois, desta forma, estará evidenciada a discordância dos condôminos a essa prática, servindo como embasamento para eventual ação judicial”, alerta a advogada.

Para Nilo Zampieri Jr., sócio da imobiliária Zampieri Imóveis, os riscos causados pela modalidade locatícia não compensam financeiramente e ainda podem gerar danos judiciais.

“A expectativa de alta lucratividade por temporada pode gerar um enorme custo ao final da experiência. Quando há contrato de temporada, é raro que o locatário assine também o acordo de Regimento Interno ou Convenção Coletiva. O que deixa o proprietário absolutamente responsável pela locação e pelo comportamento do seu inquilino, inclusive com a responsabilidade pelo pagamento de multas, que podem chegar a 10 vezes o valor da taxa de condomínio, tornando a lucratividade um prejuízo”, frisa o empresário que, com 24 anos de experiência no mercado alagoano, sabe os perigos desta forma de aluguel e não a utiliza na imobiliária.

Caso de polícia no condomínio

Em algumas cidades, a polícia já investiga diversas quadrilhas especializadas em condomínios. Na prática, um casal costuma alugar o apartamento por temporada, direto com o proprietário, apenas com o objetivo de observar o comportamento dos moradores para saquear seus imóveis.

De acordo com a fonte da RC&MI, os inquilinos costumam ser pessoas de bom cadastro financeiro (para não levantar desconfianças) que optam por locações curtas, de seis a 12 meses, na maioria das vezes, para criar intimidade e confiança dos vizinhos para que toda a ação criminosa seja feita sem levantar suspeitas.

Assim, de posse de toda a rotina de horários dos vizinhos, os inquilinos criminosos invadem, sem deixar marcas, a residência alheia para subtrair objetos de valor.

“Sem câmeras no corredor, não há como saber quem foi o responsável pelo furto e a culpa costuma recair sobre o porteiro ou zelador que estão sob administração do síndico”, relatou a fonte.

Pelo mundo

Ao contrário do Brasil, muitos países já possuem regras definidas para regulamentar o uso de unidades habitacionais.

Em Berlim, na Alemanha, as regras foram restringidas e é preciso ter cadastro da prefeitura em algumas situações. Já em Paris, na França, aluguel por temporada é ilegal – o prazo mínimo para aluguel é de um ano.

A polêmica envolvendo esta modalidade de aluguel aumentou ainda mais com o surgimento das plataformas digitais, como Airbnb, que oferecem serviços online de intermediação de aluguel temporário de acomodação.

A capixaba Erika Nacif viajou para o Chile com os amigos e optou pelo site, mas a experiência foi desastrosa.

“Eu havia reservado um apart-hotel com um bom custo benefício no melhor bairro de Santiago, mas um amigo cismou que pelo Airbnb teríamos um lugar maior e pagaríamos menos. Resultado: a localização do apartamento era péssima, super longe do Centro e dos principais pontos turísticos. O pouco que economizamos não pagou nem o café da manhã e a gasolina”, conta Erika, que funcionária de um multinacional na cidade de São Paulo.

“A localização do apartamento era péssima, super longe do Centro e dos principais pontos turísticos. O pouco que economizamos não pagou nem o café da manhã e a gasolina”
Erika Nacif, usuária do Airbnb

Estas novas opções de intermediação online já enfrentam resistência em diversos países, pois, além de inflacionar o mercado de alugueis, descaracterizam a destinação original de unidades habitacionais e modificam a rotina de bairros.

Para evitar maiores desgastes, na capital alemã os proprietários que anunciarem seus imóveis em plataformas online precisam ter cadastro e autorização da prefeitura. Outra regra de Berlim é a destinação de até 50% da área habitacional para o aluguel. A multa por descumprimento pode chegar a 100 mil euros.

Em Nova York foi sancionada recentemente uma lei que restringe a anúncio de imóveis em sites por períodos inferiores a um mês. Mas a propaganda de aluguel de quartos por curta temporada continua permitida.

Extremamente turística, a capital francesa limitou para até 120 dias a permissão de aluguel residencial por temporada ao ano nos principais bairros da cidade. Outra medida adotada foi a obrigação de registro na prefeitura de proprietários que utilizam websites para oferecer seus imóveis.