Para a justiça, a decisão do condomínio Parque Itália, em Juiz de Fora (MG) “violou o princípio da dignidade da pessoa humana, de valor supremo na ordem constitucional vigente, como fundamento da República”.

Os moradores, em assembleia, aprovaram por quase unanimidade a proibição de ajuda à funcionária pública Ana Tereza Baêta Camponizzi, de 59 anos, moradora do edifício há 15 anos, mas que há seis passou a usar cadeira de rodas em decorrência de uma lesão medular após acidente de carro. O condomínio alegou que era uma “questão de natureza privada”.

A cadeirante conquistou na Justiça o direito de ser ajudada pelos porteiros do condomínio a subir uma rampa íngreme que dá acesso da garagem aos elevadores do prédio. Ela também ganhou, em três instâncias judiciais, o direito de ser indenizada em R$ 46 mil (em valores atualizados) pela decisão dos moradores.

Em entrevista concedida à Folha de São Paulo, Ana Tereza disse que os porteiros sempre tinha foram atenciosos com ela e, quando se recusaram a ajudá-la, obedecendo a ordem, a sensação foi de incompreensão, tristeza e discriminação. “Sempre fui bem tratada e acolhida nas mais diversas situações do dia a dia”, disse a funcionária pública.

Ela afirma que barreiras arquitetônicas ainda são comuns na realidade do país, mas que sempre teve ajuda das pessoas para vencê-las e conseguir realizar suas atividades. “Ao obter decisões favoráveis, minha sensação foi de dever cumprido, foi de felicidade por ver a Justiça sendo feita, foi de recompensa por um sofrimento”, desabafou a cadeirante.

Um dos advogados do Parque Itália, Ricardo Gorgulho Cummingham, foi procurado pela reportagem da Folha de São Paulo, mas o condomínio preferiu não se manifestar sobre o caso e também não informou se pretende impetrar novos recursos contra a decisão.

A cadeirante informou que a dificuldade em subir a rampa sozinha é decorrente da falta de padrões técnicos para a instalação, que acabou deixando-a íngreme demais e exigindo muito esforço físico.

Por causo disso, a Justiça também decidiu que o condomínio deve instalar, no mais curto espaço de tempo possível, uma plataforma elevatória, que é orçada em R$ 39 mil, dentro do que recomendam as normas técnicas, para que a cadeirante e quem mais tenha necessidade acesse os elevadores de forma independente.

Ana contou que chegou a ficar no meio da rua, em frente ao prédio, esperando que alguém passasse para pedir ajuda para subir a rampa da garagem e chegar em seu apartamento. Após a decisão da Justiça, segundo a funcionária pública o tratamento por parte dos moradores continua o mesmo. “Ninguém jamais tocou no assunto. Tenho com a maioria um tratamento cordial. Uns poucos não me cumprimentam. Ninguém se desculpou”.

“Fui vítima de preconceito, por terem ferido o princípio da igualdade: tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais. Fui vítima de ignorância, por afastarem o princípio da dignidade da pessoa humana, e de desconhecimento, em menor intensidade, pois a questão envolvendo direitos é, hoje em dia, amplamente divulgada”, expôs Ana.