Apartamento na beira da praia com pé na areia e mergulhos no mar. A trinca aparentemente dos sonhos pode virar um pesadelo. É que o nível do mar sobe aceleradamente e alguns especialistas já julgam este crescimento como incontrolável.

Nos últimos anos, vários estados do litoral brasileiro foram afetados pelos avanços do mar e pelas mudanças de posição dos ventos. O resultado a longo prazo pode gerar o desaparecimento de muitas localidades.

Orla de Maceió | Imagem: Reprodução

“O mar está avançando com velocidade por uma série de fatores que vão desde o aumento da velocidade dos ventos, que influi nas chamadas marés meteorológicas, até o desmatamento da floresta Atlântica. E, principalmente, da vegetação nas bacias hidrográficas e na frente de restinga com o uso indevido da faixa de domínio marinho explorada pela construção civil”, comentou o mestre em Oceanografia Biológica e professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Gabriel Louis Le Campion.

Na cidade Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco, por exemplo, empreendimentos de médio e alto padrão, inclusive comerciais, foram literalmente engolidos pelo avanço do mar. Além dos prejuízos financeiros com a destruição, segundo especialistas, o custo da reconstrução é ainda maior pela necessidade de refazer uma estrutura levando em consideração o comportamento do meio ambiente.

Outro ponto que gera custos é a manutenção dos empreendimentos. A proximidade do mar aumenta as taxas de salinidade nas estruturas e equipamentos. Assim, o espaço de tempo de revisão é menor e o gasto com reposição é maior.

Consequentemente, além da desvalorização dos imóveis da região, muitos hotéis de luxo em Jaboatão também perdem hóspedes por conta dos riscos do lugar.

Orla de Maceió

Diversas cidades de Alagoas sofrem com progresso do mar rumo ao concreto. Em Maceió, o problema já chegou a orlas de alguns bairros. A erosão criou crateras no calçadão das praias de Jatíuca, Ponta Verde e Jacarecica.

O litoral alagoano, bem como toda a região nordestina é bastante suscetível e vulnerável a processos erosivos. Em Alagoas isso ocorre devido ao déficit de sedimento, a areia acaba sendo transportada com o avanço do mar.

Segundo Ricardo César, diretor do Gerenciamento Costeiro (Gerco) do IMA, a erosão na costa alagoana sempre existiu devido aos fatores naturais. Porém, esse fenômeno tem se agravado devido às mudanças climáticas que acarreta elevação do nível dos oceanos.

“Outro fator que acontece em nosso Estado é a grande ocupação da população construindo e morando na zona costeira, fazendo com que o mar não possa se expandir e por consequência aumenta a erosão nesses locais”, explica o diretor da Gerco.

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Calçada destruída na orla de Maceió | Imagem: Gazetaweb

Situação antiga

Mas isto não é novidade para o mestre em Oceanografia Biológica e professor UFAL. Há mais de uma década, o pesquisador estuda os avanços do mar. Ele alerta para a sabedoria dos pescadores que constroem suas casas com pelo menos 300 metros de distância da praia.

Para Le Campion, antes da construção de qualquer empreendimento, é fundamental avaliar o comportamento da natureza no lugar e seguir algumas recomendações. “Em primeiro lugar, é preciso repensar esse modelo de construção”, orienta o professor universitário.

Já os que ainda serão construídos, o especialista alerta para o respeito à distância mínima de construção. “A região de domínio marinho pode variar de acordo com o tipo de praia e a presença nas proximidades de rios, riachos e etc. É preciso consultar especialistas”, afirma ele.

Na região de Jacarecica já existem vários empreendimentos pé na areia. Para a funcionária pública federal Beatriz Lins a comodidade de estar perto do mar é positivo, mas existe também a preocupação com a proximidade da praia.

“Tenho receio do avanço do mar, sim. Por isso, é importante a moradia ter um bom recuo”, disse a servidora.

Avanço mundial

Um estudo publicado pela reconhecida revista Nature Communications apontou que, a partir de 2050, cerca de 300 milhões de pessoas que vivem na zona costeira em todo o mundo serão inundadas todos os anos.

De acordo com a comunidade científica, os impactos causados pelas mudanças climáticas são irreversíveis e o nível do mar continuará a aumentar. Somente no século 21, o crescimento do nível do mar foi 2,5 vezes que no século anterior.

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Gabriel Le Campion, oceanógrafo e professor da Ufal | Imagem: Gazetaweb

Entrevista exclusiva

Em entrevista exclusiva para o Painel Urbano, o oceanógrafo alertou para a importância do respeito ao meio ambiente e do conhecimento prévio do lugar antes de executar qualquer tipo de construção.

Painel Urbano: Por que o mar está avançando tão rapidamente?

Gabriel Le Campion: Por uma série de fatores que vão desde o aumento da velocidade dos ventos, que influi nas chamadas marés meteorológicas, até o desmatamento da floresta Atlântica e, principalmente, da vegetação nas bacias hidrográficas e na frente de restinga com o uso indevido da faixa de domínio marinho explorada pela construção civil.

PU: Como as construtoras de empreendimentos pé na areia devem se comportar? Qual a recomendação para prédios já prontos e para os que ainda serão construídos?

GLC: Em primeiro lugar, é preciso repensar este modelo de construção. Em segundo lugar, consultar os especialistas em oceanografia, geologia, e bióloga ecólogos.
Para os empreendimentos já construídos, é fundamental evitar destruir a vegetação de frente de restinga, principalmente a salsa de praia e o capim de praia. Isto com o objetivo de delimitar o sentido da trilha, que deve ser de acordo com o tipo de praia, e a direção de ventos predominantes, evitando a erosão eólica.
Para os que ainda vão ser construídos, deve-se respeitar a distância mínima de acordo com a região de domínio marinho. Isto pode ser feito através de consulta a especialistas, pois essa faixa pode variar de acordo com o tipo de praia e a presença nas proximidades de rios, riachos, etc.

PU: O que o possível comprador destes imóveis deve levar em consideração?

GLC: O comprador deve ficar atento se já existe nas proximidades fenômenos de erosão marinha. Evitar as construções que estão muito próximas da faixa de praia. Ter muito cuidado quando essas construções estão próximas à foz de rios, pois os rios mesmos sofrem ao longo do tempo mecanismos de avulsão. E isto é a barra pode se deslocar. O ideal é consultar especialistas antes de adquirir imóveis muito próximo à praia.

PU: Quais os riscos reais deste tipo de empreendimento?

GLC: Se o empreendimento respeitar as normas técnicas e ambientais e o que recomendam os especialistas, os riscos serão mínimos. Mas, se nada disso foi feito, é provável que o proprietário do imóvel possa correr um risco maior de perdê-lo ao longo do tempo, pois existe muita imprevisibilidade nesse tipo de fenômeno. O avanço e o recuo do mar estão muito associados à dinâmica sedimentar das praias e a velocidade dos ventos. E ambos têm origem no aumento dos desmatamentos, muito dos quais ocorrem em locais bem distantes do litoral. Mas que vem se refletir na região litorânea.

PU: Qual a situação real do bairro de Jacarecica, por exemplo? Quais os perigos encontrados lá?

GLC: Eu ainda não estudei recentemente a região do Rio Jacarecica. Pois aquela área vem sofrendo muita influência antrópica. O que posso falar é o que geralmente acontece quando impactamos a bacia hidrográfica de rios. Isso altera o balanço sedimentar por prejudicar a capacidade do rio de transportar sedimentos para o litoral. Assim, aumentamos os mecanismos de avulsão e o déficit sedimentar ao longo das praias as quais ele contribui. Por outro lado, a calha do rio se torna mais rasa isso pode levar a inundações de sua cabeceira nos períodos muita chuva.